domingo, 11 de outubro de 2009

Ressugato


E quando vai chegar o dia em que voltará o messias e não será nem homem nem mulher, mas um gato?
E toda a humanidade se espantará, horrorizada, mas os gatos se contentarão com um leve balançar das orelhas?
Amem a si mesmos como os gatos se amam, ele dirá. E prefiram o silêncio quando souberem que suas palavras nada acrescentarão. E dividam seu peixe e seu leite e não se envergonhem de ser quem são.
Tu és a criatura mais linda que existe, ele dirá.
E não se esqueçam de ronronar de vez em quando. E lembrem-se sempre: busquem as coisas macias e tudo mais lhe será acrescentado. Seja o pastor de si mesmo e nada lhe faltará.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Terra

Pergunte ao pó
Em minhas leituras, me deparei com um texto sobre a perspectiva indígena de ver mundo. Tudo são pessoas, mas em diversas formas e roupagens, acreditam os índios. A pedra, o macaco, a grama. Tudo deve ser respeitado, porque tudo é um só, todos são gente, vida em forma de bicho, de planta, de pedra.


Então me vejo de olhos fechados, esquecendo a aparência de tudo e me lembrando apenas de que tudo é um. Se abro os olhos, me lembro que é pedra, macaco, grama e piso, chuto e cuspo. Porque pedra, macaco e grama não é gente e não me interessa.
Tento lembrar dos índios e de seu cego respeito por tudo, pelo espírito das coisas, pelo universo uno. Só posso conversar com o mundo se esqueço a sua aparência, se ignoro que eu ando de pé e que o gato lambe suas patas. Tenho que perceber apenas que meu pêlo também é longo e que eu preciso comer e viver, assim como a grama e o macaco. Mas que às vezes preciso ficar quieta, como a pedra. E que a pedra não precisa de mim. E nem o macaco e nem a grama. E que, enquanto eu insisto em dizer que isso é grama, isso é pedra, isso é macaco, o macaco sobe na árvore e ignora completamente o que penso dele e o nome que atribuí a sua existência. E que a grama precisa de terra, do sol, mas não precisa de mim, e nunca vai me buscar para coisa alguma, pois sou inútil a ela. E que a pedra não precisa de mim, nem da árvore, nem do sol e nem da terra. E não precisa que eu a chame de pedra para existir e nem precisa que eu exista para existir. Pois a pedra é, simplesmente é, porque sempre foi, e sempre vai ser. Mas, principalmente e provavelmente, porque não sabe que é.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um dia, dois gatos

Gatequese
Ah, peludice tão simétrica
Listradez tão bem desenhada!
Como podem essas mãos e pés forrados
Andar todo o tempo em silêncio?
Explorar a beleza da casa
Apenas com quieta presença?

Ó gato que come silencioso,
Que dorme murmurando
Que fala com prazer em agudos ruídos
O que te guia pela minha casa?
Por que amá-la com tua presença?

Como explicar o teu desenho
Linhas pretas em teu pêlo
Essa curva da tua espinha, as orelhas em relevo
Continuação da perfeita cabeça?

Como explicar que te retorças
Na mobília te espalhando?
Derretendo-se teu pêlo
Incorpora-te na estante.
Tu és dono em minha casa
Tu enfeitas o que não tenho
E é perfeita minha morada
Com tua pessoa felina.

É como tudo tão branco
Os cômodos sempre tão tristes
Imergidos em algo pobre e simples.
Mas há um gato deitado.

Olhos descansados e mudos
Observam o que acontece dormindo.
Com tua orelha parabólica
Tu escutas as vozes de tudo.

E a casa se enche de ondas e coisas
Que ninguém jamais viu ou verá
Em nossa humana humildade.
Mas o gato escuta as orelhas
E seus olhos, bigodes e unhas e pêlos
E tudo lhe fala baixinho.
E ele caminha em silêncio felino
Para escutar os mistérios.

Do alto de algum dos armários
O gato está me espiando
Ele faz da mobília e dos cômodos
Uma casa com vida e com graça.

(Umo gato dormindo quieto
Sonhando com a caça ou comigo
Deitado e é como se fosse
Um palácio a mais simples casa).